Artigo

FLORES DE PLÁSTICO

16 Jun 2020

Certa vez, quando eu ainda era monge beneditino, um grupo de religiosas visitava a capela do mosteiro. Uma delas, admirada com a beleza do ambiente, perguntou ao monge que as guiava na visita o que era feito para que aquele ambiente fosse tão belo, acolhedor, espiritual, enfim: um ambiente de oração onde ela encontrava repouso, paz e presença de Deus; um ambiente que a levava a rezar tão somente pelo fato de se estar nele. O monge, respondeu-lhe que a capela assim o era não pelo que era colocado nela, mas pelo que não o era. “Aqui – disse ele espirituosamente – não colocamos cartazes, não penduramos coisas, não usamos isopor nem plástico, é tudo de verdade e, somente o que realmente é necessário se faz presente.”

O breve ocorrido narrado acima, nos faz refletir não só a respeito do ambiente litúrgico, mas em nossa própria realidade hodierna.

Vivemos inseridos numa cultura do descartável, onde bonito “é o que brilha.” É um mundo do “faz-de-conta”, onde o plástico parece flor, tecido parece metal, emborrachado parece madeira...

A igreja, como “Casa da Própria Verdade” que é Deus, deve ser primordialmente o lugar onde transparece a verdade de cada coisa e de cada pessoa, de cada gesto. Assim, por exemplo, uma flor diante de uma imagem ou do tabernáculo é símbolo de vida, de uma pessoa viva que ali a depositou como sinal de homenagem, de gratidão de um sentimento vivo. Como representar algo vivo com uma coisa morta como uma flor de plástico? (Aliás e em tempo oportuno: flor de plástico não é flor, é plástico!)

A verdadeira beleza das coisas manifesta-se quando são o que realmente são. Cada material – e diria até mesmo cada pessoa – revela sua autêntica graça quando não as camuflamos, não as encobrimos e mascaramos, quando permitimos que se manifestem na sua verdade essencial.

Nós ocidentais, queremos a todo custo criar uma bela ilusão a nossa volta vivendo num eterno “jogo-do-contente”, do “faz-de-conta”. Se um objeto de latão, por exemplo, escurece, logo o polimos com produtos apropriados. Se a prata escurece, fazemos o mesmo para retirar seu zinabre. A sabedoria oriental dirá que o zinabre de um metal é a “pátina”, a marca que o tempo imprime ao objeto mostrando sua antiguidade e tornando-o mais precioso. Difícil assimilar isso em nossa sociedade ocidental onde ao menor sinal de rugas ou cabelos brancos recorremos quase que em crise existencial a todo tipo de cosméticos, tinturas para cabelos, cirurgias plásticas e aos inúmeros “tratamentos estéticos” tentando dar continuidade a uma juventude já inexistente, desprezando dessa forma os sinais que o tempo nos impõem através dos anos que vivemos.

Outro elemento, hoje mais do que nunca desprezado, é a necessidade do vazio. Em meio ao consumismo generalizado de nosso tempo, nos convencemos que quanto mais coisas temos e acumulamos mais belos e “poderosos” nos tornamos. Mesmo a igreja católica enquanto templo, não escapa na maioria dos casos disso. Olhemos ao nosso redor: Muitas igrejas não se parecem verdadeiros depósitos ou brechós de “coisinhas bonitinhas?” Conheci uma igreja católica que em seu interior possui até um viveiro de passarinhos e um chafariz de onde uma sereia nua jorra água pela boca... Muitas igrejas tem de tudo – menos o que realmente é necessário - sem se preocupar com estilo, arte, beleza, sobriedade e - pior ainda - sem se preocupar com a finalidade daquele ambiente: O encontro com Deus.

Certamente, aquela religiosa citada no início deste texto, encontrou acolhimento, repouso e paz na capela monástica porque lá encontrou Deus e Ele só pode ser encontrado pelo fato de haver ali espaço vazio necessário para a realização do encontro, espaço vazio para que Ele pudesse habitar, sem o entrave de inúmeras e inúteis distrações causadas por quinquilharias entre ela e Deus.

Também em nós, em nossa vida, em nosso interior, faz-se indispensável haver espaços vagos para que esse encontro pessoal com o Senhor aconteça, para que esse mesmo e único Deus verdadeiro possa vir fazer sua morada. Afinal, nós também somos templos de Deus, onde o Senhor - mais que em igrejas de argamassa e tijolos - encontra alegria e satisfação em vir habitar. Isso, claro, se assumirmos a nossa verdade, a verdade das coisas, e deixarmos espaço. Sem chafarizes, sereias nem flores de plástico interna e externamente...

Fernando R. Caldeira.