Santos Esposos Maria e José

15 Jan 2021
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Ilustração

O casamento de Maria Mãe de Deus com São José suscitou ao longo dos séculos atitudes contrastantes, basta lembrar que os apócrifos já nos primeiros séculos viram nele uma dificuldade intransponível para a virgindade de Maria e dessa maneira transformaram São José num velho viúvo, de cabelos brancos e quase alquebrado. Também a arte antiga testemunhou e delineou esse aspecto de sua fisionomia. Outros ainda deixaram à parte o verdadeiro “ser esposo” de José e preferiram idealizar a sua esposa, colocando-a como “esposa da Santíssima Trindade”, “esposa do Pai”, “esposa do Filho”, “esposa do Espírito Santo”, “esposa da Igreja”, “esposa da alma”, menos “esposa de José”. Alguns viram esse casamento como problemático e inclusive nulo. Contudo, existem aqueles que estão conscientes de sua importância e promoveram a “Festa dos esponsais de Maria Santíssima com São José” ou a “Festa dos santos esposos Maria e José”.

A celebração litúrgica dessa festa é do início do século XV e teve todo apoio de dois cônegos da catedral de Chartres (França), Henri Chicot e Jean de Harleville, mas quem promoveu amplamente esta festa foi Jean Charlier, mais conhecido como Gerson (1363-1429), chanceler da Universidade de Paris. Esse grande devoto de São José se destacou em levar o conhecimento do esposo de Maria escrevendo importantes obras como “Considerações sobre São José” e ”Josephina”, nas quais descreveu as virtudes do nosso santo. Além disso, Gerson escreveu o “Sermo de nativitate gloriosae Virginis Mariae et de commendatione virginei sponsi eius Josephi”, o qual foi pronunciado aos Padres do Concílio de Costanza no dia 8 de setembro de 1416. Neste sermão exortou os Padres a invocar oficialmente a intercessão de São José e a instituir uma festa em sua honra para obter a unidade da Igreja.

Devemos ainda ao papa Bento XIII o primeiro a querer a celebração desta festa em 1725, assim como a São Gaspar Bertoni que contribuiu muito para o conhecimento e difusão dessa festa com a sua iniciativa de introduzir em Verona (Itália) a dedicação do altar central da igreja dos sagradas estigmas aos santos esposos Maria e José, celebrando com solenidade em 1823 a festa do matrimônio deles.

Três anos antes de pronunciar esse famoso sermão aos Padres do Concílio, Gerson já tinha enviado o convite a todas as igrejas para celebrarem tal festa. O mesmo convite era endereçado também à nobreza francesa. Para isso esse destacado devoto de São José compôs uma Missa e um Ofício próprio para a ocasião. A missa com o título de “De desponsatione Mariae et Joseph - O casamento de Maria e José” se difundiu rapidamente começando por Chartres, que passou a celebrá-la no sábado precedente ao terceiro domingo do Advento.

A partir de 1537 essa festa começou a ser celebrada pelos Franciscanos e depois pelos Servos de Maria e outras Ordens religiosas. Foi depois o papa Inocêncio XI a conceder a permissão para que sua celebração se estendesse na Áustria e na Espanha, a ser comemorada no dia 23 de janeiro, embora essa festa tivesse uma grande variedade de datas, tais como: 26 de novembro, 6, 7, 8 de março, 15, 22, 26, 27 de janeiro, 20 de fevereiro, 19 de março, 18 de julho, 22 de outubro, 23 de dezembro. 

Na celebração dessa festa, era bem evidenciado a união dos esposos Maria e José com os títulos de “os esposos virgens”, “o justo José e Maria”. Explicitava-se que Deus “quis a 2 beatíssima sua Mãe casada com o justo José” e que o casamento deles é um “matrimônio consagrado ao mistério da encarnação” e “celebrado para a nossa salvação”.

Muito embora essa festa tivesse uma grande importância, o papa Paulo IV, em agosto de 1555, depois de condenar a seita dos Unitários que negavam a concepção virginal de Jesus, decidiu extirpar a raiz dessa heresia, suprimindo a “Festa do Matrimônio de Maria e José” em todos os calendários litúrgicos, embora essa determinação não tenha sido seguida por todos. 

Desde o ano de 1494, o desejo de estender a “Festa dos Santos Esposos Maria e José” para toda a Igreja foi expresso mediante uma carta ao papa por parte de outro grande josefino chamado Bernardino de Bustis, coisa que foi possível com um decreto do papa aos 27 de agosto de 1894. Em 1961, a Congregação dos Ritos catalogou a missa dos “Esponsais da Bemaventurada Virgem com São José” para ser celebrada no dia 23 de janeiro apenas para os calendários particulares quando houvesse motivos para celebrá-la ou se estivesse ligada a um determinado lugar. Em vista dessa determinação essa festa para ser celebrada atualmente depende dos devotos dos inumeráveis lugares dedicados a Maria, a São José e à Sagrada Família.

A comemoração dos esposais de Maria e José é fundamental para colocar em relevo a união deles como esposos no projeto da vindo do Filho de Deus ao mundo. O papa João Paulo II ensina que "No momento culminante da história da salvação, quando Deus manifestou o seu amor pela humanidade, mediante o dom do Verbo, deu-se exatamente o matrimônio de Maria e José, em que se realizou com plena ‘liberdade’ o ‘dom esponsal de si’ acolhendo e exprimindo um tal amor” (RC 7). De fato, a encarnação do Filho de Deus ocorreu em uma verdadeira família na qual está José como verdadeiro esposo de Maria (Mt 1,16.19.20/Lc 1,27; 2,5) e Maria a sua verdadeira esposa (Mt 1,18). 

Muitas vezes São José foi visto pelos cristãos como uma presença decorativa e até que poderia ser omitida no evento da vinda de Jesus ao mundo, e para alguns a sua presença foi vista inclusive como um obstáculo para a maternidade de Maria, a ponto de muitas vezes São José ser considerado na companhia de Maria como um velho e não como seu verdadeiro esposo e apenas um pai adotivo de Jesus. Entretanto o evangelho no-lo apresenta como esposo de Maria e atribui a paternidade jurídica de Jesus a ele, descendente de Davi.

Na verdade, o matrimônio e Maria com José tem como objetivo a encarnação de Jesus no seio virginal de Maria e isto por dois motivos; um histórico e outro teológico. O motivo histórico foi para assegurar a Jesus por meio de uma instituição juridicamente reconhecida, ou seja, o matrimônio, a descendência dravídica a qual era indispensável para a vinda de Jesus ao mundo que contemplava que Jesus devia ser filho de Davi. O motivo teológico foi de colocar em contato o matrimônio como uma instituição humana, a fim de purifica-lo e santifica-lo.

Na verdade, o esposo e a esposa são sinais visíveis do amor invisível de Deus e são feitos uns para o outro no recíproco dom de si. Diante desta riqueza do matrimônio, Deus quis que José em Maria se casassem e escolheu São José para ser esposo de Maria assim como Deus fez o bastão de Arão florir, fazendo florir nele a flor de amêndoa para indicar que ele tinha sido escolhido para o serviço do tabernáculo (Num 17,16-26), assim José, o qual é representado com um bastão florido na mão na cena do matrimônio com Maria, foi escolhido para cuidar de um tabernáculo bem mais importante porque nele continha o Filho de Deus. Por isso, o bastão florido na mão de São José indica justamente esta especial eleição de José para esposo de Maria. 

Antes de tudo Deus chamou São José para ser o esposo da Mãe de seu Filho por meio do matrimônio com o qual se realizou plenamente o dom esponsal deles próprios, acolhendo e 3 exprimindo o amor, ou seja, o amor de Deus pela humanidade revelado por meio do seu Filho. Esse matrimônio foi o vértice do qual a santidade se espalhou para toda a terra, pois Jesus iniciou a sua obra de salvação com a união virginal e santa desses santos esposos na qual ele manifestou a sua onipotente vontade de purificar e santificar a família, santuário de amor e berço da vida, conforme explicita a Redemptoris Custos. 

O casamento de José com Maria comportou no plano de Deus não apenas para que a sua presença servisse de companheiro para ela, testemunha de sua virgindade, tutor da sua honestidade, mas também para que ele participasse, com o seu casamento com ela de sua excelsa grandeza, como forme nos ensina o papa Leão XIII em sua encíclica Quamquam pluries de 15 de agosto de 1889. Além do mais, o seu casamento com Maria foi querido por Deus para a realização do mistério da encarnação do seu Filho no mundo o que comportou toda a sua dignidade paternal em relação a ele cabendo-lhe alimentá-lo, vesti-lo, defendê-lo e educá-lo. Significativa são as palavras do papa Pio IX em sua carta apostólica Inclytum Patriarcam de 17 de junho de 1871 ao afirmar que “Deus onipotente o quis, dentre todos os outros santos, puríssimo e verdadeiro esposo da Virgem Maria”. 

Maria, diz Santo Tomás de Aquino, contraiu o matrimônio com São José “por familiar instinto do Espírito Santo”; portanto, esse matrimônio foi predisposto por Deus e ambos se deram em casamento porque foram inspirados pelo Espírito Santo. Cabe, portanto, afirmar que o Messias concebido no ventre de Maria teve a sua concepção ligada ao casamento de José com ela. São João Paulo II ressalta que o casamento de ambos foi puro e desinteressado dom deles e foi nesse amor recíproco dentro do matrimônio que Jesus Salvador iniciou a obra da Salvação e com a união virginal e santa deles ficou manifestada a sua onipotente vontade de purificar e santificar a família, santuário de amor e berço da vida. 

João Paulo II afirma que “A Família de Nazaré, diretamente inserida no mistério da Encarnação, constitui ela própria um mistério particular” (RC 21), pois a partir da família em Nazaré que Cristo se revelou homem e Salvador e esta família inserida diretamente no mistério da encarnação, constitui por si mesma um Mistério (Rc 21) do qual se expande por toda a terra a santidade. Por isso, nessa família todos devem se espelhar, porque nela viveu por longos anos o Filho de Deus, o protótipo de toda família humana. Além do mais, Jesus iniciou a sua obra de salvação com a união virginal e santa de Maria e José e nesta manifestou a sua vontade de purificar e santificar a família. 

A festa dos santos esposos nos ajuda a ficar atentos para manter a justa dimensão do casamento de José e Maria e não espiritualizar esse casamento apenas indicando Maria com os títulos de “esposa de Deus”, “Esposa da Santíssima Trindade”, “Esposa do Espírito Santo”, menos “esposa de José”, conforme ensina-nos o josefólogo Tarcísio Stramare. Nada contra esses títulos mas não podemos nos esquecer da força pastoral e litúrgica desse matrimônio.

A Palavra dos ensina que O Verbo de Deus se fez carne e habitou entre nós (Jo 1.14); se fez também em tudo semelhante a nós. O Verbo de Deus se tornou homem no seio de Maria dentro de um casamento e por isso Jesus precisou do exercício da paternidade de José. É muito significativa a afirmação da Redemptoris Custos (RC7) “Se para a Igreja é importante professar a concepção virginal de Jesus, não menos importante é defender o matrimônio de Maria com José”, pois José como esposo de Maria não apenas supriu todas as necessidades que Jesus precisava, mas também assegurou a sua concepção virginal e a sua descendência davídica.

Na família de Nazaré está presente o verdadeiro filho que permaneceu no seio materno de Maria (Lc 2,5; 1,31,2,7). Nessa família e dentro desse matrimônio estão todas as fases pelas quais a vida humana de Jesus passou; o embrião, o feto, o neném, a criança, o adolescente, o 4 jovem, o adulto, ou seja, um verdadeiro homem. Nessa Sagrada família encontra-se a forma humana da família do Filho de Deus, na qual José é pai, embora não derivante da geração; não aparente ou substitutiva, mas uma autêntica e plena paternidade. Nessa família está contida uma consequência da união hipostática, ou seja, a humanidade assumida na união da Pessoa divina do Verbo-Filho e juntamente com a humanidade assumida foi também assumido tudo aquilo que é humano e, em particular, a família. Neste contexto está também assumida a paternidade de José.

O Papa João Paulo II, por ocasião de sua visita à paróquia Sagrada Família de Roma, em fevereiro de 1992, ao tecer considerações sobre a família assim se expressou: ”Sabemos muito bem que a família está em crise, porque o mundo com suas teorias e sua praxe não privilegia a unidade e a fidelidade do casal, não estima suficientemente a fecundidade, não compreende adequadamente a indissolubilidade, não favorece a santidade chegando até a desconsiderar a vida já concebida e consentido a sua supressão”.

O matrimônio de Maria e José não é apenas a moldura da encarnação, a necessária estrutura histórica e cultural na qual o Verbo que se fez homem quis se inserir, mas constitui parte integrante do “mistério da encarnação” e é ele mesmo mistério, seja enquanto condição necessária para a realização do desígnio divino, seja enquanto realidade humana fundamental, “assumida” para ser purificada e santificada. “Inserida diretamente no mistério da encarnação, a família de Nazaré constitui ela mesma um mistério especial. Está contida nisto uma consequência da união hipostática assumida na unidade da Pessoa divina do Verbo-Filho, Jesus Cristo. Juntamente com a assunção da humanidade, em Cristo é também ´assumido’ tudo aquilo que é humano e, em particular, a família, como primeira dimensão da sua existência terrena” (RC nº1).

Deus não pode ter pensado com tanto amor em ter Maria como mãe de seu Filho e não pode ter pensado essa verdade como esposa, e portanto, sem o seu matrimônio com José; Deus não pensou José a não ser para Maria e para o seu divino Filho que devia nascer virginalmente neste matrimônio, como ensina Sauvé.

Dado que o matrimônio de Maria e José foi querido por Deus em vista da encarnação do seu Filho, é natural que existiu entre os dois uma profunda vivência de amor, conforme ensina Bernardino de Bustis ao afirmar que “entre Maria e José existiu um amor inquebrantável e santíssimo. De fato, depois de Cristo, seu filho, Maria não amou nenhum outro homem ou outra criatura como a José, e da mesma maneira, José amou sua esposa sobre toda pura criatura”. Outro josefólogo, Barradas, afirma que “no mundo não existiu nenhuma outra criatura que a Virgem amasse com maior amor do que o seu esposo; nenhuma com a qual se relacionasse mais familiarmente que com ele”.

Do mesmo pensamento é Bernardino de Sena ao afirmar: “Visto que Maria sabia que José lhe fora dado como esposo pelo Espírito Santo para ser o fiel guarda da sua virgindade e para que participasse com ela no amor de caridade e na obsequiosa solicitude para com a diviníssima prole de Deus, acredito que ela amasse São José sinceramente e com todo o afeto do seu coração, e visto que tudo quanto é da esposa é também do esposo, acredito que a bemaventurada virgem oferece liberalissimamente a José o tesouro do seu coração, tanto quanto ele podia receber”.

Por, Pe. José Antonio Bertolin, OSJ

 

 


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