VIVENDO E VENCENDO O LUTO EM TEMPOS DE COVID

04 Nov 2021
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O Senhor está perto dos contritos de coração, e salva os que têm o espírito abatido” (SL 33,19)


A pandemia trouxe à tona duas situações antagônicas: do individualismo desenfreado passou-se a pensar como uma sociedade coletiva. Do eu ao nós, onde todos passaram a ser responsáveis uns pelos outros. Tão acostumados estávamos a pensar somente em nossas necessidades e desejos que, assombrados por um vírus invisível, mas de profunda força destruidora, fomos forçados a rever nossas prioridades e o modo como enxergamos a vida e o que fazemos dela. Percebemos que somos frágeis, suscetíveis demais aos acontecimentos contemporâneos e, o que mais gera medo e incertezas: percebemos que somos finitos. Tomamos consciência de que a morte, a dor e o luto são mais próximos de nós do que gostaríamos ou imaginávamos que fossem. No começo, as mortes eram esporádicas e distantes de nós, mas, ao passar do tempo a doença e suas consequências chegaram muito perto: da morte de pessoas desconhecidas e distantes, muitos de nós sofreram na alma e no coração a perda de alguém bem próximo, familiares, amigos, filhos, pais, enfim, as perdas de vidas ligadas à nossa intimidade cotidiana. E a morte desencadeia inúmeras sensações, às quais denominamos luto, e nele está embutido vários sentimentos, que podem diferir de pessoa para pessoa, mas que no final, demonstra a dor da perda e da separação total. O luto é um sentimento extremamente pessoal e particular e vivê-lo é essencial para dar continuidade à vida. Elaborar o luto é viver os sentimentos da forma como eles são: uns choram, outros se reservam no silêncio, alguns necessitam falar e expressar seus sentimentos, outros ainda se revoltam, se enraivecem ou se isolam. Cada ser humano tem um jeito próprio de viver esse tempo de tristeza e pesar. Viver o luto é um processo e cada pessoa tem seu tempo e seu espaço para superar, passo à passo e poder retornar ao cotidiano. Embora a morte seja uma certeza para todos, a verdade é que ninguém está preparado para perder o outro nem tão pouco para desapegar facilmente de quem lhe é próximo. Se sentimos a morte de tantas pessoas desconhecidas pela covid, quanto mais será dolorido a partida dos que estão ao nosso lado. Há que se compreender que o luto não é uma doença e sim uma resposta natural a um evento traumático da vida. As tristes experiências da supressão ou da inexistência dos rituais fúnebres, velórios e despedidas, onde o consolo dos abraços dos amigos e familiares, as palavras de conforto, as orações e exéquias serviam de bálsamo e alento, deixou exposto, de forma límpida, a importância espiritual e psicológica das cerimonias fúnebres de despedidas. Seguir em frente é necessário e, sem esses rituais importantes devemos enxergar outras formas de viver esse momento, lembrando que o conforto espiritual é essencial também nessas situações de dor e tristeza, pois é a fé que sustenta a caminhada sem a presença da pessoa da qual sentimos falta. Não devemos morrer de saudades e sim, viver a saudade fazendo memórias e lembrando dos bons momentos, passagens felizes, frases marcantes, também recordando dos ensinamentos recebidos; oferecer missas e orações pelas almas é uma forma de querer bem e desejar que elas encontrem a alegria de estarem na eternidade com o Criador, e agradecer a Deus pelo privilégio de ter vivido com essa pessoa, são formas de amenizar a dor da falta de despedida. Também faz parte perdoar as mágoas e não se culpar pelo que poderia ter feito e não fez, perdoando-se e perdoando quem já se foi. É salutar também partilhar a tristeza, sem medo e sem constrangimento de chorar e pôr para fora o que sufoca o coração. Lembremos que Cristo, imensamente comovido pela dor dos familiares e amigos, também chorou a morte de Lázaro, seu amigo (Jo 11,35). Passando por várias fases, chega o momento da aceitação do fato em si mesmo, quando em paz e com serenidade, o espaço vazio causado pela perda é preenchido pela esperança, pela certeza da comunhão dos santos e da feliz ressurreição em Cristo Jesus. “Eis que estou convosco todos os dias, até o final dos tempos” (Mt 28, 20). Mais que um ensinamento de Jesus, é uma promessa. Em toda e qualquer situação não estamos sozinhos, o Próprio Cristo está conosco, nos ajudando a carregar o peso das nossas dores e aflições, lembrando que tudo é passageiro, inclusive nossa vida e nossos sofrimentos. Pela sua Morte na Cruz, Jesus Cristo nos garantiu a graça de, juntos com Ele, vivermos por toda eternidade. Vida e morte caminham juntas, e é a morte que faz a vida ser valiosa e melhor vivida, se queremos entrar em comunhão com Jesus, no Reino Eterno. Amparados no abraço maternal da Virgem Maria, coloquemos em Seu colo santo a vida dos que partiram antes de nós, na certeza de que a morte não é o fim, e sim nossa entrada na Pátria Celeste, onde, com os santos e santas, contemplaremos Jesus face a face. Vivamos o hoje com fé e esperança, na certeza da presença de Cristo em meio a nós, pois sua misericórdia é infinita.

+Dom Carlos José
Bispo da Diocese de Apucarana (Pr)


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