PAPA APONTA LINHAS DE PRIORIDADE PASTORAL

08 Ago 2013
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 Uma Igreja em estado permanente de missão - foi aquilo que o Papa Francisco pediu aos responsáveis do CELAM (Conselho Episcopal Latino-americano), no último dia da sua viagem ao Rio de Janeiro. Naquela ocasião, o Papa fez um elenco uma série de tentações que podem fazer falir a missão da Igreja. Um discurso feito para a América Latina mas que interpela e se aplica à Igreja em todos os continentes.
Segundo o Santo Padre, devemos ter lucidez evangélica para conseguirmos ultrapassar as tentações. Ao longo destes cinco meses de pontificado o Papa foi apresentando-as e chamando a atenção para os perigos:- reduzir a fé a uma dimensão socializante: os cristãos que interpretam o Evangelho segundo as ideologias mais variadas, do liberalismo ao marxismo;
- reduzir o encontro com Jesus a uma dinâmica de autoconhecimento: a fé abandona a dimensão espiritual à procura de simples bem-estar psicológico; cristãos sem a Cruz de Cristo;- tentação gnóstica: proposta de espiritualidade superior, desencarnada, de católicos “iluminados”, com uma Igreja à sua medida; cristãos que seguem as modas do tempo.
- tentação pelagiana: - aqueles que procuram uma solução só disciplinar, a restauração de condutas e formas superadas; tendências exageradas para a segurança doutrinal; cristãos que procuram restaurar o passado perdido. ("O Evangelho - recorda o Papa - incomoda-nos porque nos obriga a caminhar, a andar para a frente. Há quem queira andar para trás. A isto chama-se ser teimoso.")

- funcionalismo paralisante: concepção funcionalista, que não tolera o mistério e prefere a eficácia; reduz a Igreja a uma ONG; o que conta são os resultados, os números, as estatísticas.

- clericalismo: de modo cúmplice, o pároco clericaliza e o leigo quer ser clericalizado; fenómeno que impede o crescimento da responsabilidade laical; a Igreja cai no imobilismo.
O vigor desta intervenção do Papa Francisco e o carácter elaborado e de projecto global levou alguns comentadores – incluindo Padre Federico Lombardi – a considerar este texto como o mais denso e compreensivo, até agora, deste pontificado. Como durante todo este mês de Agosto estão suspensas as audiências do Santo Padre e outras actividades públicas (com excepção do Angelus dominical), dedicamos a rubrica de hoje – A Semana do Papa – ao aprofundamento deste pronunciamento do Papa Francisco, no encontro tido, no último dia da sua presença, no Rio, com os Bispos responsáveis do CELAM – Conselho Episcopal Latino-americano, uma intervenção cujo alcance não se limita à América Latina, mas pretende lançar luz e dar impulso à pastoral da Igreja, a nível mundial…
Falando da “dinâmica de reforma das estruturas eclesiais”, o Papa sublinhou que a “mudança de estruturas” (de caducas a novas) não é fruto de um estudo de organização do sistema funcional eclesiástico, de que resultaria uma reorganização estática, mas é consequência da dinâmica da missão. O que derruba as estruturas caducas, o que leva a mudar os corações dos cristãos é justamente a missionariedade” – insistiu. Há que “gerar a consciência de uma Igreja que se organiza para servir a todos os baptizados e homens de boa vontade. O discípulo de Cristo não é uma pessoa isolada numa espiritualidade intimista, mas uma pessoa em comunidade para se dar aos outros.”
Neste contexto, Papa Francisco deteve-se a explicitar “dois desafios” que se colocam hoje em dia na missão do discípulo de Cristo: a renovação interna da Igreja e o diálogo com o mundo actual.
A renovação da Igreja exige – observou – uma séria Conversão Pastoral, que implica acreditar na Boa Nova, acreditar em Jesus Cristo portador do Reino de Deus, na sua irrupção no mundo, na sua presença vitoriosa sobre o mal; acreditar na assistência e guia do Espírito Santo; acreditar na Igreja Corpo de Cristo e prolongamento do dinamismo da Encarnação.
Neste sentido, é necessário que nos interroguemos, como Pastores, sobre o andamento das Igrejas a que presidimos:

    Procuramos que o nosso trabalho e o de nossos presbíteros seja mais pastoral que administrativo? (Isto para os bispos é claro. Uma visita pastoral a uma paróquia… Que modelo de Cúria? Acentuar isto!) Quem é o principal beneficiário do trabalho eclesial: a Igreja como organização ou o Povo de Deus na sua totalidade?

2. Superamos a tentação de tratar de forma reactiva os problemas complexos que surgem? Criamos um hábito proactivo? Promovemos espaços e ocasiões para manifestar a misericórdia de Deus? (Para mim isto é claro. Estou convencido que este é o tempo da misericórdia de Deus para a sua Igreja. Marcaria como prioridade este apostolado da misericórdia, ou melhor dizendo, a dimensão misericordiosa da santa Madre Igreja. A maternalidade da Igreja que cura as feridas. Esta época de mudanças (comentava-o ontem com os bispos brasileiros) está cheia de feridos, gente que deixou a Igreja a meio caminho e se foi embora. E podemos pensar: que vamos fazer? Organizar um curso? Isto ou aquilo? Depois de uma batalha, o primeiro que há que fazer, no hospital de campanha, é tratar das feridas. Acho que hoje em dia a pastoral tem que se por seriamente esta questão. A pastoral da Mãe Igreja, curar tantas feridas da gente que se afastou, que ficou a meio do caminho, que se confundiu, que se desiludiu. Pastoral da misericórdia. Não é em vão. João Paulo II teve uma visão (lúcida, ampla) intuindo que a coisa podia ir por aqui. Há aqui uma grande intuição, em João Paulo. Sublinho-o.) Estamos conscientes da responsabilidade de repensar as atitudes pastorais e o funcionamento das estruturas eclesiais, buscando o bem dos fiéis e da sociedade?3. Na prática, fazemos os leigos participantes da Missão? Oferecemos a Palavra de Deus e os Sacramentos com a consciência e a convicção de que o Espírito se manifesta neles?
4. Temos como critério habitual o discernimento pastoral, servindo-nos dos Conselhos Diocesanos? (Conselhos diocesanos: esta palavrinha tem que ser mais usada!) Tanto estes como os Conselhos paroquiais de Pastoral e de Assuntos Económicos são espaços reais para a participação laical na consulta, organização e planeamento pastoral? O bom funcionamento dos Conselhos é determinante. (Diocesanos, sectoriais, paroquiais. E creio – não se ofendam, digo-o de todo o coração, acho que estamos muito atrasados nisto. Em Buenos Aires, recordo as paróquias: eram menos de metade as que tinham Conselhos pastorais. Fazer com que os padres entrem nesta dinâmica custa muito.)5. Nós, Pastores Bispos e Presbíteros, temos consciência e convicção da missão dos fiéis e damos-lhes liberdade para irem discernindo, de acordo com o seu caminho de discípulos, a missão que o Senhor lhes confia? Apoiamo-los e acompanhamos, superando qualquer tentação de manipulação ou de indevida submissão? Estamos sempre abertos para nos deixarmos interpelar pela busca do bem da Igreja e pela sua Missão no mundo?
6. Os agentes de pastoral e os fiéis em geral sentem-se parte da Igreja, identificam-se com ela e aproximam-na dos baptizados indiferentes e afastados?Como se pode ver, aqui – nestas perguntas - estão em jogo atitudes. A Conversão Pastoral diz respeito, principalmente, às atitudes e a uma reforma de vida. Uma mudança de atitudes é necessariamente dinâmica: “entra em processo” e só é possível moderá-lo acompanhando-o e discernindo-o. (O processo de mudar de atitude necessita, da parte do bispo, acompanhamento e discernimento. É importante ter sempre presente que a bússola, para não se perder neste caminho, é a identidade católica concebida como pertença eclesial.
- Isto é a primeira parte: discipulado e pertença eclesial. E os desafios. O primeiro dos desafios é a renovação interna da Igreja. O segundo é o diálogo no mundo actual. Mas há que actuar os dois contemporaneamente.O Papa Francisco fala de uma Igreja baby-sitter que não faz crescer, não acorda, mas assiste a criança apenas para a fazer adormecer. Ao contrário, a Igreja é mãe e gera filhos para que sejam protagonistas, crentes com a coragem e a paixão de anunciar o Evangelho em todo o mundo.


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