PADRE CÓSIMO, UMA HISTÓRIA DE VIDA

13 Jan 2014
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Padre Cósimo Damiano Corigliano

* 14/05/1933
+ 28/09/2012

 

Meu ingresso na carreira da Magistratura se deu no mês de janeiro de 1969, como é normal na atividade judicante, fui inicialmente nomeado para exercer as funções de Juiz Substituto da Comarca de Bandeirantes, ali passei a entender que ser Juiz não é só julgar as pessoas que, por uma circunstância da vida, foram submetidas ao julgamento de suas ações ou omissões. Ainda solteiro, passei a conviver com as pessoas daquela cidade, em especial tornei-me amigo dos dois padres que atuavam na paróquia da cidade, de nossas costumeiras conversas, surge a preocupação com as pessoas mais pobres, especialmente em decorrência do serviço rural safrista, vale dizer, encontravam trabalho no período das colheitas, mais precisamente do café e da cana de açúcar. Nos períodos de entressafra a pobreza aumentava.

Para amenizar aquela situação, recorremos à ajuda de pessoas da comunidade e o SOS (Serviço de Obras Sociais) foi instituído, angariava recursos que eram destinados à aquisição e distribuição de cestas de alimentos aos mais necessitados. Com vista ao encaminhamento de adolescentes, filhos de famílias pobres, criamos a Legião Mirim, com a finalidade de colocá-los no trabalho que lhes fosse compatível, sem prejuízo da freqüência escolar, uniforme, calçado, orientação, e, pelo menos uma refeição diária, eram repassados pela Legião Mirim. Educadores, profissionais liberais e até mesmo pessoas de boa vontade, ministravam aulas nos finais de semana, complementando a formação, social, cívica e familiar.

A semente foi lançada a Carreira da Magistratura, motivou minha saída de Bandeirantes, para assumir a titularidade de primeira Comarca de Entrância Inicial, fui nomeado para exercer o cargo de Juiz de Direito da Comarca de Ribeirão de Pinhal, cuja jurisdição se estendia aos Municípios de Abatiá e Jundiaí do Sul, também região agrícola, com predominância da cafeicultura. Minha chegada à nova comarca se deu justamente no ano de meu casamento com minha querida esposa Maria Luiza, foi um período de muito trabalho, especialmente porque a Magistratura Estadual acumulava as atividades inerentes à jurisdição trabalhista. Vivenciei o êxodo rural, motivado pelos infindáveis litígios trabalhistas, forte influência do sindicalismo no meio rural.

No aspecto religioso, participei do CURSILHO DE CRISTANDADE, por força disso, tive participação efetiva na vida da Paróquia daquela comunidade, incluindo, em algumas ocasiões o acompanhamento do Padre, para missas nas Capelas das Fazendas, pouco de assistência social se fez naquela comunidade.

Depois de permanecer por quatro anos naquela Comarca, fui removido para a Comarca de Rolândia, Município  de forte influência da comunidade Alemã, famílias já estabilizadas e de bom nível cultural. Mesmo assim, com sérios desajustes na área da juventude. Ressurge a idéia da criação da Legião Mirim. Dona Martinha, pessoa maravilhosa, irmã do cônego que havia atuado naquela cidade, foi a alma bondosa daquela instituição, dedicou vários anos de sua vida à Legião Mirim, cujo Estatuto e forma de atuação, serviu de exemplo para outras cidades.

Legião Mirim foi um exemplo de sucesso e de benemerência social.

Integrado à Comarca de Rolândia, existia o Distrito de Pitangueiras, também sob minha jurisdição, foi um período de grandes dificuldades, oriundos da grande geada de 1975, que dizimou os cafezais, os percenteiros, também chamados meeiros, não tinham como sobreviver com seus talhões de café, que eram tocados em regime familiar. Surge a figura do bóia fria, ou trabalhador avulso, remunerado por dia de trabalho, como de regra, sem registro em carteira e submetido às oscilações de sua remuneração. A pobreza se expande, assistência médica inexistente, moradias precárias, comunidade sem liderança.

Assim se fez, até a chegada do sol, assim passei considerar a chegada do PADRE CÓSIMO.

A história de Pitangueiras pode ser dividida em duas fases, antes do Padre Cósimo e depois dele.

Mesmo estando no exercício da jurisdição na Comarca de Maringá, conservei a convivência com a população de Pitangueiras, pois, naquela localidade, tornei-me produtor rural, por aquisição da Estância Santa Carmen, inicialmente dedicada ao plantio de café, exigindo, por isso, a contratação de colaboradores, que eram remunerados mensalmente, por intermédio deles, tive a felicidade de conhecer o Padre Cósimo. Já no primeiro contato fiquei impressionado com o dinamismo por ele demonstrado, falava em construir casas, ao argumento de que a moradia dignifica as pessoas e as mantinha fixos na localidade.

Uma das primeiras observações do Padre era no sentido de que só a casa não bastava, era preciso melhorar as condições de vida das pessoas, gerando estímulo para fomentar as áreas de geração de emprego, salário, saúde, educação. O que limitava a consecução de tais providências, era a falta de autonomia, tudo ficava na dependência da sede do Município.

Vem a idéia da emancipação. O Padre não conhecia a expressão “deixa para depois”, seu entusiasmo, sua vontade de servir, vencia todos os obstáculos. Vem a pergunta, o que é preciso para emancipar Pitangueiras, respondi que a primeira providência era votar uma lei pela Assembléia Legislativa, no sentido de emancipar o Distrito, elevando-o à condição de Município.

Outra pergunta - o que precisamos fazer, os olhos do Padre irradiavam a vontade de servir. Respondi - precisamos conversar com o Deputado Presidente da Assembléia Legislativa - foi pronta a afirmativa - então vamos à Curitiba.

Antes da partida o Deputado José Alves, a meu pedido, agendou audiência com o Presidente. Fomos para Curitiba, eu em companhia do Padre. Na audiência que nos foi concedida, fiquei impressionado com a exposição feita pelo Padre, o entusiasmo era contagiante, o Presidente a tudo ouvia, até que, finda a exposição verbal do Padre o Presidente textualmente afirmou o seguinte. Padre o senhor admite que a criação do Município de Pitangueiras, virá favorecer a população- a resposta foi sim. O Presidente respondeu, pois se o senhor deseja, se isso virá beneficiar a população, assumo o compromisso e o município será criado.

A tenacidade do Padre era tão marcante a ponto de, ao deixarmos a Assembléia Legislativa ele já sabia os caminhos burocráticos, por onde passaria o projeto de Lei - coube-me a honra de elaborar a minuta do projeto de lei, colocamos Município de Santo Antonio de Pitangueiras. Surge o prematuro falecimento do Deputado José Alves- outro Deputado assume a iniciativa da propositura do projeto de lei.

Segue o procedimento de tramitação, Padre Cósimo, por telefone a tudo acompanhava, até que, em prazo relativamente curto, a Lei foi votada em Plenário e sancionada.

O procedimento de criação de novos municípios, por disposição constitucional, exige a participação dos três poderes, ou seja, o Legislativo promulga a lei, o executivo autoriza o plebiscito, para ouvir a população e o Judiciário, através da Justiça Eleitoral conduz a consulta aos eleitores da região a ser desmembrada.

Surge um novo complicador, o Senhor Governador do Estado se posicionou contrário à emancipação, argumentava que as pequenas comunidades não reuniam condições de renda para se manterem.

O Padre entra em desespero - o que fazer? - indagou-me ele. A resposta que lhe dei - Temos que ir à Brasília. Quem teria legitimidade para ingressar com recurso junto ao Tribunal Superior Eleitoral? .  Prontamente o Padre reúne um grupo de pessoas e foi criada a Comissão de Emancipação - conferindo-lhe registro em Cartório e, por via de conseqüência, alcançaria legitimidade para ingressar com a medida judicial contra o Governador do Estado.

Dr. Tadeo, outra alma bondosa, assume o patrocínio da causa, de ônibus, pagando pessoalmente todas as despesas, vai à Brasília e obtêm o deferimento liminar - Estava autorizada a realização do plebiscito. Minutos depois da concessão da liminar, recebi um telefonema do Padre, irradiando felicidade, transmitiu-me a boa notícia- Estava autorizado o plebiscito.

O tempo era escasso, haveria de terminar a criação do novo Município em tempo hábil para realizar a próxima eleição municipal, caso contrário aguardaria mais quatro anos.

Surge a necessidade de esclarecer a população a respeito do significado da emancipação, bem como dos benefícios que dela surgiriam.  O município de Rolândia, que perderia parte de seu território, lançou campanha em sentido contrário.

Atendendo pedido do Padre, coube-me a elaboração de um pequeno gibi, explicando a respeito da criação das comunidades populacionais. O plebiscito foi realizado e a população, inspirada no ideal do Padre Cósimo, votou pela emancipação, fazendo surgir o Município de Pitangueiras.

Emancipado o Distrito de Pitangueiras, prossegue o Padre Cósimo, ainda com mais entusiasmo, construção de moradias era o seu principal objetivo, consegue terreno, providencia o parcelamento em lotes, ruas foram abertas, praça, enfim todo o sistema viário e de lazer para a população.

As primeiras moradias são edificadas, o material de construção era conseguido em diversas fontes.

Concluída a primeira vila surge a escolha de sua denominação “Vila dos Milagres”, denominação sugestiva e de profundo significado humano e religioso, foi realmente um milagre alcançado pelo mais profundo sentimento de amor ao próximo.

Assim, convidado a traçar algumas considerações a respeito do estimado padre Cósimo, veio-me à lembrança, o texto de uma conhecida canção que dizia: - precisamos apenas de amor - De fato, assim se revelou o Padre Cósimo, sua caminhada de vida foi dedicada ao amor - Como homem de seu tempo, sempre olhou para frente, para trás, para baixo e para cima - Demonstrou uma fé inabalável e acreditou na superação de todas as crises. Acreditou na missão de servir ao próximo, na busca de dias melhores - Olhou para trás com gratidão a Deus por lhe ter inspirado para a missão de servir, espalhando a fé. Nos seus momentos de evangelização procurou olhar para baixo com solidariedade aos menos favorecidos - Olhou para cima, com humildade, no sentido de encarar as dificuldades - vencia os obstáculos, espalhando os frutos de sua árdua missão - Viveu modestamente, sofria com a dor dos outros, porque na sua visão a esperança era uma forma de sobreviver. Seu temperamento inovador formava mutirão, no sentido de estimular a ajuda mútua entre pessoas na conquista de melhores condições de vida, enaltecendo a força do trabalho, como sendo a propulsora da dignidade humana.

Assim foi o estimado Padre Cósimo.

 

*O autor é desembargador aposentado

 


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