Carta do Papa Francisco, ainda não publicada na íntegra, concede a reconciliação do padre Cícero com a Igreja católica
Solenidade de abertura da Porta Santa neste domingo, 13, na Catedral Nossa Senhora da Penha, em Crato (CE), teve para os fiéis da Diocese de Crato e romeiros do Padre Cícero Romão Batista um significado ainda maior. O bispo diocesano,Dom Fernando Panico, comunicou, durante sua homilia, que o Papa Francisco havia enviado uma carta na qual autoriza a reconciliação do “Padim Ciço”, como é carinhosamente chamado pelos devotos, com a Igreja Católica. A carta é assinada pelo Cardeal Pietro Cardeal Parolin, Secretário de Estado do Vaticano.
As palavras aguardadas há décadas pelos fiéis foram recebidas com júbilo. Um quadro com a imagem do padre foi introduzida não no altar, pois ele ainda não foi canonizado, mas dentro da Igreja, próximo ao altar. “Ele vai entrar como romeiro. Seu lugar não será ainda o Altar, mas ficará no meio do Povo, invocando e cantando conosco a misericórdia do Pai”, disse Dom Fernando.
Além de destacar a fé simples e a devoção a Nossa Senhora que o Padre Cícero teve em sua existência, o Papa ainda caracterizou o seu modo de evangelização, vivido no final do século XIX e início do XX, como atual. “Atitude de saída, ao encontro das periferias existenciais, a atitude do Padre Cícero em acolher a todos, especialmente aos pobres e sofredores, aconselhando-os e abençoando-os, constitui sem dúvida, um sinal importante e atual”, afirmou.
Padre Cícero morreu em 1934 suspenso de ordem. A partir da data de seu falecimento o número de fiéis que realizam romarias à cidade que ele fundou, Juazeiro do Norte, só cresce. Diante desta realidade, ao chegar na Diocese de Crato, em 2001, Dom Fernando Panico colocou esta reconciliação como prioridade de seu episcopado.
O bispo formou uma comissão e deu entrada, em 2006, na Congregação para Doutrina da Fé, no Vaticano, ao processo de reabilitação, porém o Papa Francisco foi além. A partir dos estudos realizados pela Equipe de Direito Canônico do Vaticano, foi decidido que a Igreja deveria conceder a reconciliação do padre com a Igreja, permitindo assim que os fiéis realizem sua devoção com a aprovação da Santa Sé.
“Como Bispo Diocesano dessa Igreja particular, fico feliz por poder receber essa grande graça, em nome do Padre Cícero e de seus romeiros e romeiras, em nome de todos aqueles bispos – Dom Quintino, Dom Delgado – que alguma vez pediram que a Igreja e Padre Cícero se reconciliassem, em nome de todas as pessoas que queriam ver o Seu Padrinho ser, de novo, acolhido pela Igreja Católica da mesma forma que sempre foi acolhido por seus afilhados!”, disse.
Reabilitação é recuperação de ordens que estavam suspensas. Reconciliação é apagar qualquer oposição à ação do Padre Cícero.
A Diocese de Crato deu entrada ao processo de reabilitação pelo fato do Padre Cícero ter morrido suspenso de ordem, porém como o padre já havia falecido e as punições cessadas, não tinha o que o Papa reabilitar.
De 2006 a 2014 uma equipe de direito canônico do Vaticano estudou como resolver esta questão. Eles chegaram à conclusão de que a Igreja teria que ter uma Reconciliação. “Como a ação do Padre Cícero se tornou crescente mesmo após a sua morte, eles disseram era oportuno a reconciliação da Igreja com o Padre”, disse o chanceler Armando Lopes Rafael.
Em outubro de 2015 o Papa Francisco enviou uma carta reconciliando a Igreja Católica com a herança espiritual do Padre Cícero, porque entendeu que o padre deu continuidade à obra de divulgação do evangelho que Jesus queria. “Ele se dedicou aos humildes e estes permaneceram fiéis à Igreja Católica, por isso a reconciliação”, disse Armando.
A Reconciliação é mais ampla que a Reabilitação pois, conforme explica o chanceler, é uma aceitação e reconhecimento dos frutos feitos através das romarias e devoção ao padre Cícero, propiciando uma maior aproximação dos romeiros com toda a Igreja Católica.
Confira, a seguir, o Resumo da carta-mensagem do Papa Francisco sobre a Reconciliação histórica da Igreja Católica com a memória do Padre Cícero Romão Batista:
Em longa correspondência enviada ao Bispo Diocesano de Crato, Dom Fernando Panico, o Secretário de Estado do Vaticano, Cardeal Pietro Parolin, afirmou que: “A presente mensagem foi redigida por expressa vontade de Sua Santidade o Papa Francisco, na esperança de que Vossa Excelência Reverendíssima não deixará de apresentar à sua Diocese e aos romeiros do Padre Cícero a autêntica interpretação da mesma, procurando por todos os meios apoiar e promover a unidade de todos na mais autêntica comunhão eclesial e na dinâmica de uma evangelização que dê sempre e de maneira explícita o lugar central a Cristo, princípio e meta da História”.
A mensagem lembra, inicialmente, as festas pelo centenário de criação da Diocese de Crato acrescentando “que (essas comemorações) põem em realce a figura do Padre Cícero Romão Batista e a nova Evangelização, procurando concretamente ressaltar os bons frutos que hoje podem ser vivenciados pelos inúmeros romeiros que, sem cessar, peregrinam a Juazeiro atraídos pela figura daquele sacerdote. Procedendo desta forma, pode-se perceber que a memória do Padre Cícero Romão Batista mantém, no conjunto de boa parte do catolicismo deste país, e, dessa forma, valorizá-la desde um ponto de vista eminentemente pastoral e religioso, como um possível instrumento de evangelização popular”.
Lembrando que Deus sempre se serve de pobres instrumentos para realizar suas maravilhas e que todos nós somos “vasos de argila” (2Co 4,7) em Suas mãos, o texto afirma, sem dúvida alguma, que Padre Cícero, pelo seu intenso amor pelos mais pobres e por sua inquebrantável confiança em Deus, foi esse instrumento escolhido por Ele. O Padre respondeu a este chamado, movido por um desejo sincero de estender o Reino de Deus.
Na correspondência constam vários tópicos, dos quais alguns são reproduzidos, a seguir, textualmente:
“Mas é sempre possível, com a distância do tempo e o evoluir das diversas circunstâncias, reavaliar e apreciar as várias dimensões que marcaram a ação do Padre Cícero como sacerdote e, deixando à margem os pontos mais controversos, por em evidência aspectos positivos de sua vida e figura, tal como é atualmente percebida pelos fiéis”.
† “É inegável que o Padre Cícero Romão Batista, no arco de sua existência, viveu uma fé simples, em sintonia com o seu povo e, por isso mesmo, desde o início, foi compreendido e amado por este mesmo povo”.
† “Deixou marcas profundas no povo nordestino a intensa devoção do Padre Cícero à Virgem Maria” no seu título de “Mãe das Dores e das Candeias” (…) Como não reconhecer, Dom Fernando, na devoção simples e arraigada destes romeiros, o sentido consciente de pertença à Igreja Católica, que tem na Mãe de Jesus Cristo um dos seus elementos mais característicos?
† “A grande romaria do dia de Finados, iniciada pelo Padre Cícero, transmite a dimensão escatológica da existência humana. Pois, como afirma o documento de Aparecida, Nossos povos (…) têm sede de vida e felicidade em Cristo. (…)
† “Não deixa de chamar a atenção o fato de que estes romeiros, desde então, sentindo-se acolhidos e tendo experimentado, através da pessoa do sacerdote, a própria misericórdia de Deus, com ele estabeleceram – e continuam estabelecendo no presente – uma relação de intimidade, chamando-o na carinhosa linguagem popular nordestina de “padim”, ou seja, considerando-o como um verdadeiro padrinho de batismo, investido da missão de acompanhá-los e de ajudá-los na vivência da sua fé”.
† “No momento em que a Igreja inteira é convidada pelo Papa Francisco a uma atitude de saída, ao encontro das periferias existenciais, a atitude do Padre Cícero em acolher a todos, especialmente aos pobres e sofredores, aconselhando-os e abençoando-os, constitui sem dúvida, um sinal importante e atual”.
† “O afeto popular que cerca a figura do Padre Cícero pode constituir um alicerce forte para a solidificação da fé católica no ânimo do povo nordestino (…). Portanto, é necessário, neste contexto, dirigir nossa atenção ao Senhor e agradecê-lo por todo o bem que ele suscitou por meio do Padre Cícero”.
† “Assim fazendo, abrem-se inúmeras perspectivas para a evangelização, na linha desta recomendação do Documento de Aparecida; “Deve-se dar catequese apropriada que acompanhe a fé já presente na religiosidade popular”. (Documento de Aparecida, 300).
† “Ao mesmo tempo que me desempenho da honra de transmitir uma fraterna saudação do Santo Padre a todo o povo fiel do sertão do Ceará, com os seus Pastores, bendizendo a Deus pelos luminosos frutos de santidade que a semente do Evangelho faz brotar nestas terras abençoadas, valho-me do ensejo para lhe testemunhar minha fraterna estima e me confirmar de Vossa Excelência Reverendíssima devotíssimo no Senhor
Pietro Cardeal Parolin
Secretário de Estado de Sua Santidade
Vaticano, 20 de outubro de 2015.
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