Um olhar sobre a missão dos Leigos e Leigas na Igreja e na Sociedade
Jardel Neves Lopes
A 54ª Assembleia Nacional da CNBB seguirá do dia 6 ao dia 15 de abril, em Aparecida-SP, tem como eixo principal o estudo e aprovação do documento que orienta o trabalho pastoral, a atuação de “cristãos leigos e leigas na igreja e na sociedade”. Muito embora sabe-se que os/as leigos/as são, sujeitos fundamentais na vitalidade da igreja, e protagonistas sobretudo, é necessário reafirmar e fortalecer o seu lugar nos espaços de construção e missão na igreja e na sociedade.
Detenho-me em duas questões importantes sobre o/a leigo/a na igreja e na sociedade: i) nas comunidades de base; ii) na ação sociotransformadora (social e política).
As Comunidades Eclesiais de Base
Em audiência com o Papa Francisco, em 2014, o missionário Padre Paulo Suess, entregou um documento ao Pontífice em que relatava o fato de 70% das comunidade eclesiais de base no Brasil não tem acesso a Eucaristia dominical. Nessas comunidades a presença do padre muitas vezes acontece 2 ou 3 vezes por ano. Enquanto isso as comunidades são dirigidas por leigos e leigas, na sua maioria mulheres, popularizada por idosos, adultos, crianças, jovens, celebram a fé e a vida com muita vitalidade, a partir da devoção popular e da leitura da bíblia. E fazem celebrações criativas, participativas, comunitárias, algumas em capelas, outras em escolas publicas, ou mesmo nas casas de famílias, quando não embaixo de arvores sob a sombra fresca. É a celebração da palavra e da vida. Expressa ali o retrato dos primeiros cristãos, das primeiras comunidades cristãs. E quando o padre ou a religiosa, ou mesmo o bispo visita a comunidade é motivo de festa, é acolhido com muita gratidão e respeito.
A Conferencia de Aparecida destaca que, “o número insuficiente de sacerdotes e sua não eqüitativa distribuição impossibilitam que muitíssimas comunidades possam participar regularmente na celebração da Eucaristia. Recordando que a Eucaristia faz à Igreja, preocupa-nos a situação de milhares destas comunidades privadas da Eucaristia dominical por longos períodos de tempo. (...) Falta espírito missionário em membros do clero, inclusive em sua formação.” (DAp, 99).
Diante disso, posto pelos bispos da América Latina, que seria da igreja sem as comunidades eclesiais de base hoje no Brasil? O que seria da igreja sem o protagonismo e apostolado dos leigos e das leigas? Certamente seria muito diferente. As CEBs veio com um novo impulso, como “um novo jeito de ser igreja”, ou “um jeito normal de toda a igreja ser”. Em muitos lugares as CEBs foram paroquializadas, enquadradas ao rigor da burocracia paroquial. O padre Medoro de Oliveira assim chame de “paroquialização das Cebs e a clericalizaçao das paróquias”. Limitando a dinamicidade do evangelho e da evangelização, a autonomia concedida pelo Vaticano II, a experiência acumulada e partilhada em tantos intereclesiais. Há lugares, e não são poucos, em que as comunidades não tem autonomia de se articularem em rede de comunidades, de dialogarem experiências em comum, e até mesmo os desafios e problemáticas que as envolvem. Mas, fica condiciona ao mesmo programa da paróquia, que deveria ser um apoio administrativo para facilitar a missão. Portanto, muitas CEBs são condicionadas a reproduzir aquilo que a paróquia decide.
Isso nos remete a pensar no papel do laicato nessas comunidades, nas pastorais, que transmitem o Evangelho, que partilham a vida e a experiência do evangelho, e criam jeito próprio de evangelizar, com novenas, quermesses, circulo bíblico, culto dominical, terço, ladainhas, etc. Quanta criatividade há nessas comunidades. E as comunidades se tornam espaços de viver a fé, mas também de superação, de libertação, como foi o povo de Deus ao romper as correntes do Egito, os cativeiros da Babilônia, e os primeiros cristãos.
Ação sociotransformadora: leigos/as nas pastorais sociais e na política.
Outro lugar em que os/as leigos/as tem atuado com muita responsabilidade, a partir da experiência do evangelho são as pastorais sociais, e movimentos sociais. São presença da igreja em lugares em que o a Eucaristia não chega em forma de celebração, mas de ação. As periferias existenciais e sociais, que são atingidas por milhares de leigos/as que dão a vida na causa do Evangelho, traduzido em amor ao próximo.
Em 2015, pesquisa feita pela Fundação Esquel, a pedido da CNBB, em 26 dioceses, com extrapolação para as 275 dioceses e arquidioceses, constatou a estimativa de 430 mil voluntários e agentes de pastorais sociais e obras sociais da igreja católica, que corresponde ao atendimento a 155,6 milhões de pessoas. Importante ressaltar ainda que 80,4% dos voluntários/agentes, são das pastorais sociais atendendo 106,5 milhões de pessoas. Essa ação sociotransformadora da igreja atinge 24,1% da população pobre do país. Posto isso, reafirmamos a presença significativa de leigos e leigas engajadas na igreja e na sociedade, provocando transformações de realidades. É provável que esses dados são maiores, uma vez que amostra foi extrapolada de acordo um recorte da pesquisa. Há tantas outras ações muitas vezes desconhecidas e ocultas, mas que fazem grande diferença. Nisso compreendemos também que há muito o que caminhar, para atender a 5ª urgência da “igreja a serviço da vida plena para todos”, como bem reafirma as Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora para 2015-2019, a partir da Encíclica Deus Caritas Est, “para a igreja, a caridade não é uma espécie de atividade de assistência social que poderia mesmo deixar para outros, mas pertence à sua natureza, é expressão irrenunciável de sua própria essência” (DGAE, nº 66).
Pelo que já conhecemos desse documento que está sendo estudado e muito provavelmente aprovado na 54ª Assembleia dos Bispos, versa também sobre a atuação do/a leigo/a na política. Eis aí uma nobre e necessária missão, a qual a igreja descreve obrigatoriamente sobre o apostolado dos/as leigos/as, que “os católicos versados em política e devidamente firmes na fé e na doutrina cristã não recusem cargos públicos, se puderem por uma digna administração prover o bem comum e ao mesmo tempo abrir caminho para o Evangelho” (AA, nº 14). Ainda as DGAE (nº 68) afirma que, “a igreja reconhece a importância da atuação no mundo da política e incentiva leigos e leigas, especialmente os jovens, à participação ativa e efetiva nos diversos setores voltados para a construção de um mundo mais justo, fraterno e solidário”. Muito embora, a política seja um espaço do cristão na sociedade, as DGAE (nº 68), continua a falar da “urgência na formação e apoio aos cristãos leigos e leigas para que atuem nos movimentos sociais, conselhos de políticas publicas, associações de moradores, sindicatos, partidos políticos e outras entidades, sempre iluminados pelos Ensino Social da Igreja”.
Muitos são os leigos e leigas engajados na política partidária, exercendo mandatos, com qualidade irreversível. Experiências de mandatos populares, participativos, são vivenciadas pelas comunidades em todo o país. Também experiências de Cristãos leigos e leigas engajados em conselhos de políticas publicas, movimentos sociais, movimentos humanitários, nos quais militam a partir da interpelação do evangelho.
Estamos diante de uma igreja que nos convoca a sair dos muros eclesiais, rumo ao encontro com o/a outro/a. Muito temos admirado do Papa Francisco, e muito esperamos nos nossos pastores o mesmo nível de profetismo. Para alguns isso é quase impossível. Enquanto leigos e leigas precisamos assumir ou ocupar o espaço que nos pertence, na igreja e na sociedade. Oxalá a nossa igreja valorize sempre mais a presença dos/as leigos/as. Que a igreja do Brasil acolha a proposta do Vaticano II, e adiante todos os documentos já versados sobre os leigos e as leigas, na igreja e na sociedade, possamos juntos/as ser profetas e profetizas de um tempo novo frente às crises das velhas estruturas ultrapassadas, opressoras e burocratizadas. E que mais leigos/as descubram a sua vocação cristã de atuar nas pastorais sociais, partidos políticos, movimentos sociais, sindicatos, conselhos de políticas publicas, associações de moradores, etc.
Que nesses 15 dias de Assembleia da CNBB, também nós que cá estamos, possamos estabelecer comunhão em oração, por uma igreja “em saída”.
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