Palavra do Bispo

Fraternidade e Fome

23 Mar 2023

“Dai-lhes vós mesmos de comer.” (Mt 14,16) Idealizada de forma tímida, em 1961, como forma de conseguir recursos para a manutenção das obras assistenciais da própria Igreja, a Campanha da Fraternidade, como eles a chamaram na época, obteve os resultados esperados a que se propunha. Em 1962, o projeto é repetido em Natal, capital do Rio Grande do Norte, com resultados bem positivos, o que fez com fosse expandido, nos anos subsequentes para outras 16 Dioceses nordestinas, como uma experiência mais ampla. A resposta, sempre positiva, motivou a elaboração de um projeto abrangendo todo o território nacional, para que todas as Igrejas pudessem fazer parte de uma mesma e única Campanha da Fraternidade (nome adotado oficialmente) estruturada e organizada de acordo com as necessidades de cada época. A vivencia da Campanha, atrelada sempre ao período quaresmal, tem como objetivo despertar ou relembrar em cada cristão um novo sentido de solidariedade fraterna: o outro que sofre é meu irmão! Poderia ser eu! A quaresma é tempo de conversão pessoal, intensa e verdadeira, o que é necessário e essencial para que aconteça também a conversão em relação às necessidades dos que vivem ao nosso redor. Se os irmãos menos favorecidos, excluídos, famintos e vulneráveis são invisíveis, as penitências, jejuns e abstinências de pouco valem. Os quarenta dias representam uma caminhada das trevas da indiferença rumo à Luz que emana do Cristo Ressuscitado, o mesmo Cristo que passou pela indiferença de tantos, pela incredulidade de muitos e pela falta de fé e coragem de outros e, mesmo assim, morreu por todos. É esse mesmo Cristo, Vivo e Ressuscitado que nos pede hoje: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16), nos apontando o caminho a seguir. Depois da partilha da Palavra, por compaixão, Jesus dá de comer a todos, sem questionar quem, naquela multidão, deveria ser alimentado, ou tivesse mais ou menos merecimento. Ao contrário, todos foram saciados, independente do estado em que se encontravam seus corações. Amados irmãos, a Campanha da Fraternidade nos exorta, pela terceira vez em sua história, a deixarmos o julgamento (que na realidade não nos cabe) e a olharmos com compaixão e amor para os que tem menos que nós e se encontram famintos, sem condições de suprir sua subsistência pessoal e familiar. Somos chamados a repartir o que temos com quem tem menos ou nada. Isso é caridade, amor fraterno, isso é agir como Cristo ensinou. Somos tão rápidos em cobrar, apontar os dedos, achar culpados, dar desculpas, não assumir a parte de nossa responsabilidade e lentos em demasia em ajudar. Em alguns momentos é preciso fechar os olhos da razão e abrir as fontes de misericórdia do nosso coração e do amor fraterno, sem cobranças e exigências e, com verdadeira alegria e gratidão pelo que temos, ajudar aquele que precisa tanto. Se temos para ajudar e sempre temos alguma coisa, é fato, é porque recebemos muito mais que merecemos. O que sobra em nossa mesa, o desperdício que vai para o lixo... quanto poderia valer para o outro? Questionamentos que a Campanha da Fraternidade nos faz nessa quaresma, exigindo uma ação imediata e que devemos levar adiante, depois de vivermos a Páscoa de Cristo, de nos transformarmos em novas criaturas que, de olhos e corações abertos, passemos a enxergar o irmão necessitado como um de nós, filhos amados de Deus, tanto como somos. Nós, cristãos e cidadãos, temos a obrigação de cobrar também de toda sociedade e dos responsáveis pelo bem-estar do povo, ações que visem minorar o sofrimento de nossos irmãos. Para isso, façamos a nossa parte, pois toda pessoa tem a mesma dignidade de filho de Deus e isso estabelece o caráter fundamental da fraternidade: a responsabilidade individual, coletiva e social. Quando a humanidade perceber que o que separa o irmão excessivamente carente daquele excessivamente abastado é a prática da solidariedade fraterna, e que essa prática torna todos igualmente necessitados uns dos outros, certamente haverá menos críticas e dedos apontados e mais soluções adequadas que proporcionem mais qualidade de vida num mundo carente de afeto, compreensão e unidade. Que a Virgem Maria, Senhora da Quaresma, nos auxilie nessa caminhada quaresmal, para que cheguemos um dia, com Ela, a contemplar a Glória de Deus! Dom Carlos José Bispo de Apucarana PR